quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Quero Morrer.

"Naquele dia ela estava sozinha, tão sozinha que nem se sentia a si mesma. Era como se já não existisse, como um corpo privado da alma que lhe dá vida. Não sabia se era fruto da vontade de um qualquer Deus, ou a negação da própria existência.
Se lhe pedissem para viver, ela recusaria.
Se lhe pedissem para sonhar, ela recusaria.
Se lhe pedissem para falar, ela apenas diria: «Quero Morrer!».
Contra uma decisão destas é difícil arranjar argumentos válidos e o melhor é esperar que ela ponha a corda ao pescoço ou que se decida finalmente a tomar um rumo na vida.
Podíamos esperar sentados. Falta-lhe a coragem para viver, mas também para morrer. Vai apenas existindo, numa morte com todos os sinais vitais. Talvez ela acredite que alguém leve a cabo a tarefa de lhe proporcionar finalmente a morte que tanto anseia, e pela qual não tem forças para lutar, porque não é fácil morrer. Por mais que nos digam que a morte é o que temos mais certo, não significa que seja fácil alcançá-la.
Mais uma injustiça deste mundo. Esta criatura que quer morrer mas não tem coragem para construir a sua própria morte continua viva, e muitos que davam tudo para permanecer vivos, morrem antes de atingir a auto-realização. Como sou altruísta, não me importo de lhe ceder o meu lugar no inferno, ou no purgatório, ou no céu, ou apenas debaixo de terra a servir de alimento aos mais repugnantes seres da natureza, a seguir ao homem. Mas a verdade é esta, cada um vai na sua hora." (Iesu, Dezembro 2009)

Não sei.

"Não sei se digo. Não sei se penso. Não sei se faço. Não se escrevo. Simplesmente não sei. Se viver é não saber, eu vivo plenamente, e não me venham dizer que não mereço o dom da existência.
Não sei o que sou. Não sei quem sou. Não sei para onde vou. Não sei o que é esperado de mim. Simplesmente sei que estou aqui, e só por isso, já me sinto feliz. E o que é sentir-me feliz? Não sei mas sinto. Entre o saber e o sentir vai uma longa distância. Eu nunca soube, mas sinto.
A maior parte dos que por aí deambulam apenas sabe e nunca chega a sentir. Sou realmente um felizardo que não sabe nada e não quer saber nada. Quando sabemos, a nossa mente arrogante prende a sensibilidade e torna-nos apenas humanos, apenas corpos com a mania que são importantes e que acreditam que podem fazer mais do que os outros corpos importantes, que agem mecânicamente de acordo com o que a sociedade lhes impõe. E mesmo que não imponha nada, é sempre mais confortável fazer como os outros fazem." (Iesu, Dezembro 2009)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Ataque

"O que faremos a seguir? Continuaremos a caminhar no mesmo sentido. Achas possível seguir infinitamente o mesmo caminho? Eu não disse nada disso. O que disseste então? Que caminharemos no mesmo sentido. E não é o mesmo? Não. Consegues explicar-me a tua teoria? Consigo explicar na perfeição. Pensas começar a traduzir? Se ambos falamos português, não há qualquer necessidade de traduzir. Estás a gozar comigo? Claro que não. Tenho alguma coisa escrita na testa? Deixa ver. Consegues ver a palavra? Não está nada escrito aqui. Procuraste bem? Se insistes eu torno a ver, mas com uma lupa. Confirmas que a tua acuidade visual já teve melhores dias? É um facto que com o avançar da idade fui perdendo as minhas faculdades a nível visual, e não só. A que outros níveis? A capacidade de concentração. Não estás concentrado naquilo que te estou a dizer? Não foi isso que eu disse. Eu é que estou a perceber mal? Talvez. Não tens a certeza? Tenho, só que não queria ofender-te. Agora estás preocupado comigo? Agora e sempre. Isto é uma frase sentida? Sim, caso contrário não a dizia. Dizes sempre aquilo que realmente pensas? Por vezes omito para não ferir as pessoas ou não fazer juízos errados. A omissão é melhor que a verdade? Nem sempre. E como sabes qual deves escolher? Suponho. Decides com base em suposições? Ninguém tem certezas, e mesmo que se pense que sim, está a correr-se um grande risco. Com suposições não corres riscos? Muitos, mas não vou agir com qualquer grau de certeza. A certeza tem graus? Uma forma de falar. É o mesmo que incerteza, neste caso? Em certo modo, Gostas de decidir? Gosto. Não achas particularmente difícil? Não há coisas fáceis." (Iesu, Novembro 2009)